Um mês depois de o tolueno interromper o abastecimento de água em cinco cidades do Rio, autoridades ainda não sabem onde produto químico vazou

Um mês depois de um vazamento de tolueno, substância altamente tóxica, provocar o fechamento do Sistema Imunana-Laranjal, em São Gonçalo, e deixar mais de dois milhões de consumidores com as torneiras secas por pelo menos três dias, as autoridades ainda não descobriram a origem do produto químico. Apesar de o fornecimento de água ter sido normalizado, um estudo feito pelo Comitê da Bacia da Baía de Guanabara, em parceria com o laboratório de química da PUC-Rio e a ONG Guardiões do Mar, mostra que o tolueno ainda aparece, em baixa concentração, às margens e ao longo dos rios Guapiaçu e Macacu, que abastecem a estação de tratamento da Cedae. Um pontos de coleta em que a substância foi detectada fica na saída para a Baía de Guanabara.

Enquanto o mistério do tolueno não é desvendado, as medidas de segurança para manter o abstecimento estão sendo mantidas. A Cedae continua a usar carvão ativado no tratamento da água e realiza testes diários no Canal de Imunana, onde fica a captação. Também estão fechados pequenos canais para evitar que a água contaminada deságue nos rios Macacu Guapiaçu, na altura das regiões da Vala Preta e do Rio Preto, trecho onde foram encontradas as maiores concentrações de tolueno. A área é cercada por fazendas, vizinha ao gasoduto desativado da Petrobras e fica a três quilômetros do Canal de Imunana.

A medida de fechar os canais, no entanto, reduziu à metade o nível de água nos rios Guapiaçu e Macacu, que abastecem a estação de tratamento. Antes da crise, os cursos d’água tinham uma profundidade média de quatro metros, agora está com apenas dois, de acordo com o estudo. A Cedae descartou o risco de desabastecimento pelos próximos 30 dias, mas alertou que a estiagem que vem atingindo a região é preocupante. “Quanto aos próximos meses, a previsibilidade depende da meteorologia e do acompanhamento diário dos níveis dos rios”, afirmou a companhia em nota.

Medo do pescado
Moradores, fazendeiros e pescadores reclamam do bloqueio. Eles alegam prejuízos com os alagamentos das margens e a mortandade de peixes. Na última segunda-feira, a Associação Homens do Mar (Ahomar), uma organização criada para defender os direitos dos pescadores, convocou uma reunião com representantes de Inea, Ibama, Ministério Público Federal, Cedae e ICMBio para discutir medidas diante da possível contaminação dos pescados e dos manguezais.

— Houve uma mortandade muito grande no início de abril. As autoridades dizem que não há risco de ter pescado contaminado pelo tolueno, mas nenhum estudo foi feito que comprove essa afirmação. Desde que houve o vazamento, as pessoas estão com medo de comprar nossos peixes. Precisamos de respostas e, acima de tudo, de transparência — cobrou o presidente da associação, Alexandre Anderson.

O professor e oceanógrafo do Departamento de Química da PUC-RJ Renato Carreira, que conduziu o estudo sobre a presença de tolueno nos rios Guapiaçu e Macacu, explica que não há risco de contaminação dos peixes.

— O tolueno é um solvente, como é comercializado. Ele pode ser usado em tinta e tem várias aplicações na indústria. O fato de ser apenas tolueno na água, muda muito os impactos. Ou seja, ele por si só, em baixa quantidade, não é uma preocupação em contaminar pescado. O animal pode até ingerir o tolueno, mas, rapidamente, o elimina. A mortandade que aconteceu no início de abril segue também sendo um mistério — afirmou o professor.

A agricultora Maria Inez, de 54 anos, conta que, dias antes do surgimento do tolueno, uma tempestade causou uma enchente e deixou os canais cheios. Com o fechamento das comportas, a água não teve por onde escoar e ficou acumulada, atingindo plantações.

— Perdemos toda a safra do milho. Disseram que fariam uma negociação com os moradores sobre uma possível indenização pelas perdas, mas nada foi definido. Fizemos, então, uma nova plantação, que só deve estar pronta para colheita em julho. Isso, com certeza, vai atrasar a entrega da safra ao Ceasa para as festas de São João, além de encarecê-la — afirmou a agricultora.

A água que fica represada pelas barreiras apresenta coloração escura e mau cheiro. Bombas instaladas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) trabalham durante o dia para fazer um procedimento de aeração — que é a produção de oxigênio na água, o que ajuda na evaporação do tolueno. Segundo técnicos, o tolueno, por ser um solvente químico aromático, evapora facilmente. Ele é utilizado como matéria-prima na produção de cola, esmalte, perfumes, adesivos e corantes, além de estar presente em processos na indústria do couro, ramo historicamente presente na região afetada, devido à criação de bovinos em Guapimirim e Itaboraí, sendo também utilizado na fabricação de pesticidas e defensivos agrícolas. Beber um copo de água que contenha traço de tolueno (isto é, muito diluído) pode gerar náuseas e tontura. Já a ingestão regular de altas doses pode causar danos aos rins e ao fígado, levando até a casos de câncer.

Diante da falta de respostas, o Inea deve ampliar a área monitorada para os rios Guaraí (Guapimirim), Caceribu (Itaboraí) e Guaxindiba (São Gonçalo) nas próximas semanas, visando mapear se houve o derramamento da substância em outros pontos. A ideia é rastrear a presença do produto químico, que pode ter origem em outra cidade. A Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) já ouviu representantes de 26 empresas do Polo GasLub (antigo Comperj), mas a investigação ainda está em andamento.

O superintende do Ibama, Rogério Rocco, disse que o governo federal está disposto a ajudar a descobrir de onde vazou o tolueno:

— Os órgãos estão com dificuldade de encontrar a origem do vazamento. Por isso, está se pedindo uma apuração federal. Temos interesse federal em ajudar por se tratar de uma região que tem duas unidades de conservação, a APA de Guapimirim e a Estação Ecológica da Guanabara. Desde então, temos nos reunido para discutir uma estratégia de ação federal.

Um desafio
Para Maurício Muniz, Analista Ambiental, da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim e da Estação Ecológica Guanabara, disse que achar os responsáveis pelo vazamento é um desafio para o poder público:

— A situação mais crítica é que não se tem a origem de onde surgiu o produto, ainda que os níveis estejam caindo. Em 70 anos do funcionamento, o Sistema Imunana-Laranjal nunca precisou ser interrompido. E, até agora, não foi possível voltar à situação anterior. Além disso, os fazendeiros estão impedidos de produzir em uma área que equivale a mil campos de futebol. Quando se depara com a presença isolada de tolueno num vazamento, levanta-se a questão de quais seriam as atividades criminosas que estariam usando o componente em sua formação pura.

Procurado, o Inea ressaltou que atualmente “não há tolueno na área de captação e na estação de tratamento de água e que todo o entorno está sendo monitorado diariamente pela Cedae, pelo Inea e por outros órgãos”. A Cedae informou que seu último relatório não aponta a presença de tolueno na água tratada pela estação. O Sistema Imunana-Laranjal fornece água para consumidores de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá e Paquetá, na capital.

Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo

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